No final da década de noventa, Caio retorna à fazenda de seu pai na Baixada Maranhense, após concluir o curso de agronomia em São Luís. Ele está muito empolgado com todo conhecimento adquirido e ainda mais determinado em implementar um projeto de pecuária sustentável na fazenda do seu pai, algo pioneiro naquela região.
Contudo, durante a travessia noturna da Baía de São Marcos a bordo de um barco à vela, numa viagem que parecia igual a tantas outras que o velho barqueiro, Euzébio já fizera naquela baía, todavia, em fração de segundos o mar se torna absurdamente revolto, e arremessa uma onda gigante sobre o barco, despejando toneladas de água sobre o convés, chegando a arrastar Caio e Euzébio, obrigando-os a saltar como dois gatos para se agarrar ao pé do mastro, enquanto os outros tripulantes se prendem às cordas do leme, com um deles escapulindo para fora da embarcação, precisando ser pescado pelos seus companheiros para poderem trazê-lo de volta ao barco, preso a uma corda.
Todos ficaram muito assustados com o impacto absurdo daquela onda inusitada, que arrastou consigo todas as bagagens do convés e produziu um barulho estrondoso, semelhante a um gigantesco trovão. De forma assombrosa, esse barulho tenebroso foi se transformando num som semelhante ao burburinho de milhares de vozes falando simultaneamente, deixando todos muito assustados e apreensivos. Muito mais assombrados eles ficaram ao perceber que o volume do som produzido pela onda estava aumentando, como se ela estivesse voltando em direção ao barco. Em poucos segundos, esse som aumenta tanto que explode ao lado do barco, como se fosse a reprodução de um som mecânico de grande potência, emitindo um longo acorde em tom maior, cantado por um coro polifônico, ao finalizar uma música épica.
Diante daquilo, todos são tomados pelo assombro, mas em poucos instantes, o som do coral suaviza até se tornar inaudível, deixando tudo muito quieto, levando o Mestre Euzébio a arriscar um palpite cheio de mistério e temor: — Isso deve ser algum sinal do reino de Xapanã, o rei Dom Sebastião.
Ele nem acaba de falar e alguma coisa estranha impacta violentamente contra a lateral direita do barco, obrigando-o a se levantar para ir até lá averiguar do que se tratava. E ele foi segurando firme um patuá que traz pendurado ao pescoço, preso a um colar de fio de algodão, temendo se tratar de alguma ação invisível por detrás daqueles eventos estranhos.
Euzébio nem teve tempo de chegar à beirada do convés e todos foram surpreendidos por uma imensa sucuri que saltou da lateral do barco para dentro da baia, causando um grande raio ao impactar a sua cabeça contra as águas, o qual se propagou em círculos pelas águas do mar, de forma semelhante às ondas sísmicas provocadas pelas explosões nucleares, enquanto a sinistra serpente mergulhava em direção ao fundo das águas.
Logo assim que a última onda alcançou os confins da baía, uma luz muito estranha uma surgiu, vindo das profundezas do mar.
Caio ainda tentou comentar alguma coisa sobre aquele fenômeno, mas Euzébio fez gesto com o dedo indicador sobre os lábios lhe pedindo silêncio e repreendeu: — Aprende uma coisa, filho: o que o olho vê, a boca não diz palavra. Olha e guarda contigo.
Naquela hora, a estranha luz azulada já havia aumentado muito sua intensidade e iluminava com clareza todo o interior da baía e todos eles que estavam dentro do pequeno barco. As águas da baía pareciam muito cristalinas e, ao mesmo tempo, gelatinosas, enquanto a intensidade daquela luz ia crescendo numa velocidade alucinante.
Em poucos instantes, a estranha luminosidade tomou conta de toda a baía, transformando as suas águas numa imensa massa de luz compacta, aparentemente tátil, que irradiava intensamente aquela luz misteriosa e absurdamente potente, ao mesmo tempo que a sua claridade era suave para as retinas.
Em poucos segundos a superfície das águas, que já se encontravam totalmente serenas, inertes, foram transformadas num imenso bloco de vidro diáfano, o qual, gradativamente, foi se compactando e se tornando uma gigantesca lâmina de plasma, feita de luz azul gelatinosa, plana e transparente, que tomou toda a extensão da baía, sobre a qual o barco seguiu deslizando suave e silenciosamente, como se navegasse sobre as macias nuvens.
Diante daquele fenômeno, Caio preferiu ficar quieto e se acomodar deitado de bruços sobre o piso molhado do convés, segurando-se à borda do barco. Buscando mais segurança na horizontalidade do seu corpo, ele se debruçou sobre o beiral da embarcação para ver melhor o fundo da baía, ao mesmo tempo em que se prevenia caso outra tormenta viesse a surgir repentinamente e se abater sobre eles.
Enquanto isso, a brisa marinha suave fazia o barco deslizar com leveza incomum sobre aquela lâmina azulada, parecendo mais com um balão flutuando silenciosamente ao sabor de um céu sem vento.
Eles singraram a lâmina de luz sobre a grande cidade medieval em estilo mourisco, formada por ricos palácios e suntuosas edificações, com suas janelas, portas e portões em arcos árabes, compondo uma paisagem mágica encimada por cúpulas, abóbadas e minaretes, ambientada por praças magníficas, onde fontes de bronze decoradas por efígies de animais mitológicos, como grifos e harpias, e carrancas de medusas, emanam de suas bocas, não água, mas brumas de fogos-fátuos iridescentes que flutuam e caem levemente sobre pisos ricamente decorados por mosaicos de pedras coloridas e detalhes de corais, compondo mapas de navegações antigas e belas rosas-dos-ventos, dando àqueles locais um aspecto onírico e muito solene.
Aquela visão foi tão extraordinária, que fez Caio esquecer os seus temores, embevecido pela exuberância das edificações imponentes, das ruas movimentadas, onde uma multidão, vestida como nos filmes das mil e uma noites, ovacionava um cortejo composto por centenas de cavaleiros do exército otomano do sec. XVIII, servindo de batedores para uma Carruagem real, posicionada ao centro dos pelotões, que já iniciavam entrar no portão central do palácio mais imponente de todos.
Caio ficou bastante confuso ao ver aquela cidade repleta de palácios e de pessoas, onde supostamente, deveria ser o fundo do mar, mas o que mais lhe intriga naquilo tudo, é que aquela cidade deveria ter uma arquitetura semelhante a Lisboa, ou mesmo o Porto, e não ser uma cidade árabe, se o rei Sebastião foi um rei português.
Indiferente a esses questionamentos, o barco foi saindo mansamente de cima da cidade, deixando todos impressionados com a beleza singular daquela visão e, logo que a cidade desapareceu do alcance das vistas deles pelo lado esquerdo da embarcação, eles, todos eles passaram imediatamente, para a bombordo, a fim de continuarem apreciando aquela imagem sedutora e ao mesmo tempo assombrosa, contudo, não encontraram daquele lado, senão o mar escuro como o ébano repleto de ondas furiosas.
Embora Caio seja totalmente cético, esse evento abalou profundamente suas estruturas, afetando seu inconsciente depois que ele se viu envolto numa sequência de experiências sobrenaturais muito perturbadoras, oriundas daquele principado, de tal forma que essas manifestações acabam mudando todo o projeto que ele planejava realizar ali na fazenda, pois, como se aquilo tudo fizesse parte de uma maldição diabólica arquitetada por algum inimigo muito perverso, ao chegar na fazenda, Caio teve uma surpresa terrível ao encontrar seu pai, Bertoldo, casado com Daniela, a garota a quem ele mais ama.
Essa situação, por si só, já seria perturbadora para os dois, por terem que viver sob o mesmo teto; contudo, ela se torna mais grave devido às arestas que ficaram entre eles, ocasionadas pela forma abrupta e estúpida com que ele terminou o relacionamento com ela, motivado pelas intrigas de um falso amigo que também a desejava, fato que ele só descobriu depois que ela havia se mudado para um lugar desconhecido, disposta a nunca mais encontrá-lo pela frente, impedindo que ele pudesse lhe pedir perdão.
Sem entender como Daniela teria conhecido e se envolvido com seu pai, Caio vê todos os seus sentimentos voltarem à tona com muita força diante da possibilidade de desfrutar daquele fruto proibido, desejo que vai se tornando cada vez maior do que a barreira intransponível que a fúria do seu pai representa para ele.
Number of pages | 608 |
Edition | 1 (2023) |
Format | A5 (148x210) |
Binding | Paperback w/ flaps |
Colour | Black & white |
Paper type | Coated Silk 90g |
Language | Portuguese |
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