Com este quarto volume, Guerra Sem Fim: A Tríplice Aliança contra o Paraguai: a campanha defensiva: 1866-1870, encerramos nossa leitura geral da grande guerra da bacia do Rio da Prata, que iniciamos em 2008. Em 2015, publicamos, em português, o primeiro dos quatro volumes, Paraguai: a república camponesa, traduzida para o espanhol em 2017. Nele, apresentamos estudo sumário da formação social e política do Paraguai, um tema em geral ignorado ou tratado superficialmente mesmo pela historiografia especializada no conflito de 1864-70, com destaque para a brasileira. Pontificou-se e pontifica-se sobre a guerra contra o Paraguai sem se preocupar em conhecer o Paraguai. Nesse trabalho, destacamos o caráter camponês dominante da sociedade paraguaia pré-1865 e a revolução nacional concluída e consolidada na Era Francista [1813-1840]. A nosso entender, elementos imprescindíveis para o correto entendimento da singular resistência paraguaia, devido ao caráter de guerra camponesa que assumiu a campanha defensiva, em 1866-70. Em 2016, o livro foi traduzido em espanhol e publicado em Asunción, devido à recomendação de colegas paraguaios que o haviam lido. Confesso que nos surpreendeu positivamente a boa acolhida que o ensaio recebeu.
Em 2016, publicamos também em português Mar del Plata: domínio e autonomia na América do Sul: Argentina, Brasil, Uruguai (1810-1864), traduzido em espanhol e publicado no Paraguai em 2018. Nesse volume, abordamos sinteticamente as formações político-sociais da Argentina, do Uruguai e do Império do Brasil, melhor conhecidas pelos estudiosos da Guerra Grande, mas acreditamos em geral integradas em maneira limitada e sumária aos sucessos de 1864-1870. No libro, destacamos o confronto entre o federalismo e o liberal-unitarismo argentinos na Bacia do Prata. Apresentamos a derrota artiguista de 1820; a vitória do unitarismo liberal de Buenos Aires, em 1861, na batalha de Pavón; a ofensiva liberal-mitrista contra a autonomia oriental, em 1863, como contra-revoluções liberal-conservadoras no Cone Sul. Vitoriosas, elas tinham como último obstáculo o Estado nacional paraguaio. No Império do Brasil, a vaga liberal-conservadora se vergou em forma precoce devido à enorme fragilidade das classes pobres e livres naquela formação social escravista.
O terceiro volume, Guerra Sem Fim: A Tríplice Aliança contra o Paraguai: a campanha ofensiva: 1865-1866, foi apresentado, em português e espanhol, em 2017. Nele, entre outras questões, discutimos os motivos da origem e do desenvolvimento da operação ofensiva paraguaia, quando da invasão das províncias de Mato Grosso, de Corrientes e do Rio Grande do Sul. Enfatizamos a mobilização precoce do país mediterrâneo contra a intervenção liberal-mitrista na República Oriental do Uruguai, em 1863-4, através de Venancio Flores. Intervenção que, se vitoriosa, colocaria sob controle portenho a bacia do Rio da Prata e a exteriorização do comércio exterior paraguaio, base da Ordem Lopista [1842-1870] e da tendência à restauração social em favor dos grandes proprietários paraguaios, que haviam sido reprimidos na Era Francista [1813-1840]. A decisão de declarar guerra à Argentina, que levaria a uma provável vitória paraguaia, resultou em um imprevisto confronto contra o poderoso Império do Brasil, que buscava conquistar a hegemonia regional no Prata e exigia a posse plena de todos os territórios em disputa com o Paraguai, ricos em erva-mate, nas regiões do rio Apa.
A radiografia da formação social e política paraguaia, realizada em Paraguai: a República camponesa, registrava as possibilidades reais daquele país, de economia predominantemente agrária e de forte coesão nacional, de enfrentar e vencer um conflito contra a Argentina liberal-unitária, então sob fortes tensões internas. Revelava, igualmente, situação demográfica, econômica, etc. que inviabilizava um confronto geral com o imenso Império do Brasil, ainda mais em aliança com a Argentina e com o apoio do Uruguai florista. Realidade ocultada no início do conflito pela fácil vitória paraguaia no sul da província de Mato Grosso, nascida da debandada geral dos oficiais imperiais diante do inimigo e da falta de preocupação das classes proprietárias no norte da província com aqueles territórios meridionais distantes.
A derrota paraguaia na batalha fluvial de Riachuelo, em 11 de junho de 1865, uma das tantas aventuras militares empreendidas pelo alto comando sob às ordens de Francisco Solano López, assim como a rendição sem luta na cidade de Uruguaiana, em 18 de setembro do mesmo ano, expressaram a enorme fragilidade material do Paraguai, incapaz de enfrentar um conflito de tamanha dimensão, ainda mais em territórios distantes. É um mito grosseiro a proposta da precoce e desenvolvida industrialização do Paraguai. A conclusão desastrosa da campanha ofensiva registrou também a natureza impopular de um conflito querido pelo governo lopista e abraçado no geral pelas classes dominantes do país, mas incompreensível - e impopular- às tropas, sobretudo de origem camponesa.
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O presente quarto e último volume, Guerra sem fim: A Tríplice Aliança contra o Paraguai: a campanha defensiva: 1866-1870 foi concluído e prontamente traduzido e publicado em Asunción, em 2018. Apenas agora, em 2020, é apresentado em português, o que nos fala da importância dada ao tema no Brasil. Em 2020, se concluirá o sesquicentenário do imenso embate possivelmente sem um grande evento acadêmico que o registre e avance o seu conhecimento. O fracasso das esperadas e em alguns casos previstas celebrações seguiu-se à evolução política liberal-conservadora no Paraguai, Argentina e, finalmente, Brasil. Os novos ares democráticos na Argentina chegaram um pouco atrasada.
O presente livro tem como principal nexo analítico a compreensão da natureza diversa das duas campanhas - ofensiva e defensiva-, em geral abordadas pelas historiografias brasileira, argentina uruguaia e paraguaia como dois grandes momentos de conflito quase em tudo homogêneo, iniciado em 12 de outubro de 1864, com a invasão dos exércitos imperiais da República do Uruguai e concluído em Cerro Corá, no norte do Paraguai, em 1º de março de 1870, com a morte do mariscal-presidente.
A "campanha ofensiva” foi travada com o núcleo das tropas profissionais do exército nacional paraguaio, que retornou ao país, no final de 1865, dizimado pelos combates, pela rendição em Uruguaiana, pelas doenças que atingiram as tropas fora e dentro do país. Como assinalado, a expedição ao exterior foi no geral apoiada pelas classes proprietárias favoráveis à exteriorização da economia paraguaia [exportações]. Ao contrário, ela não interessava às massas rurais que viviam economia semi-natural e tinham sua produção artesanal agredida pelas importações de manufaturados sobretudo ingleses desde o rio da Plata, mais baratos.
Ao contrário, a "campanha defensiva" foi travada essencialmente pela população plebeia, com ênfase nas classes camponesas, conscientes de que, lutando pela defesa da autonomia nacional, diante de invasão de corte imperialista e colonizadora, defendiam tudo o que haviam conquistado, especialmente no período franquista [1813-1840] e que ainda não havia sido questionado na Era Lopista [1842-1870]. A imprensa de guerra paraguaia de 1867, cada vez mais escrita em guarani paraguaio, registrou a metamorfose social das tropas mobilizadas contra os invasores. As classes camponesas eram monolingues [guarani paraguaio] e as classes proprietárias bilingues [espanhol e guarani].
A compreensão da modificação do caráter social do conflito, ocorrido quando da “campanha defensiva”, permite uma compreensão mais precisa de tantos fatos, superando visões ideológicas tradicionais. Entre eles, a repressão iniciada no campo de San Fernando em junho de 1868. Permite entender aqueles sucessos como uma resposta à mobilização, em favor da rendição, das classes proprietárias paraguaias e de comerciantes estrangeiros residentes no país. A defecção dos segmentos ricos do Paraguai deixou a resistência literalmente nas mãos das classes camponesas e plebéias, que tinham muito a perder -e perderam efetivamente a autonomia e a terra- com a vitória aliancista. Elas apoiaram em forma maciça o uso do terror contra os segmentos ricos do país.
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Jamais foi nossa intenção produzir uma história militar do conflito, no sentido estrito do termo. Ela já foi realizada, com singular perfeição, por autores com condições para tal, com destaque para o general brasileiro Augusto Tasso Fragoso [1869-1945] e o coronel argentino Juan Beverina [1877-1943]. Sobretudo, procuramos analisar, em um sentido amplo, as realidades sociais, econômicas, políticas, demográficas, etc. que comandaram e determinaram a guerra e o combate. Isso desde a ótica de todas as populações subalternizadas envolvidas no conflito, que não conheciam qualquer contradição fundamental, e dos direitos das nações a terem sua independência nacional respeitada. Acreditamos que, para além dos objetivos particulares das classes dominantes, a guerra foi prejudicial a todas as classes populares, tem curto, médio e longo prazo, com enorme destaque para os sofrimentos da população e para a agressão sofrida pela nação paraguaia.
Em nossa leitura dos sucessos analisados, abordamos alguns aspectos pouco discutidos, como as razões da deserção de fato do alto comando da marinha imperial, com o apoio dos oficiais superiores, que resistiu sempre a se envolver a fundo no conflito. Esse foi certamente o maior fiasco das tropas aliancistas no conflito, responsável por seu prolongamento. Também tentamos destacar a dificuldade dos membros da Tríplice Aliança em concluir mais rapidamente a querra contra o pequeno país mais rapidamente, devido à natureza pré-moderna de suas sociedades e à deserção de fato das classes populares da Argentina e do Brasil de uma guerra nunca vista como sua. Enfatizamos, ao contrário, o caráter nacional da formação social paraguaia, forjado na Era Francista. Nesse sentido, apesar de sua pobreza material, o Paraguai de então era, de um ponto de vista social, a nação mais moderna da América do Sul.
Enfatizamos nos quatro volumes o caráter indiscutivelmente imperialista da guerra, no sentido do termo proposto pelo historiador brasileiro Moniz Bandeira. Fenômeno circunscrito em forma inquestionável pela rejeição da proposta paraguaia de paz, com reparações, em Yataity-Corá, em 12 de setembro de 1866, e pela perseguição sem quartel a Solano López, a quem nunca foi oferecida uma real possibilidade de rendição. Cremos que a morte do marechal em combate era a única solução que se enquadrava aos objetivos de reduzir o Paraguai a um estado semi-colonial, dependente dos Estados imperiais e liberais-argentinos.
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Nos quatro volumes indicados e em múltiplos artigos acadêmicos e jornalísticos, sempre fomos guiados pela vontade de contribuir para uma melhor compreensão essencial da grande guerra da bacia do Prata. São ingênuas, risíveis ou demagógicas as pretensões de redação de uma história completa ou conclusiva, ainda mais sobre acontecimentos de tamanha dimensão, não apenas temporal e espacial. A historiografia é uma construção em aberto, em construção permanente, na busca constante de uma maior e mais perfeita aproximação tendencial à essência objetiva dos fatos. Devido à dramaticidade e aos desdobramentos nacionais e sociais do conflito, ao calarem-se às armas, após o aniquilamento, sem rendição, paraguaio, o conflito se manteve,, até hoje transferido com destaque para a esfera das representações historiográficas, em uma verdadeira guerra que segue sem fim. Daí o título dos dois últimos volumes.
Acima de tudo, procuramos focar nosso estudo a partir da perspectiva dos interesses das classes populares e subalternizadas da época da guerra e de hoje, entre as quais não houve e não há oposições e conflitos essenciais. Não se tratou de uma nossa opção epistemológica arbitrária ou ideológica, no sentido trivial do último termo. Acreditamos que ela é a melhor posição para que os historiadores se esforcem a superar visões e interpretações nacionais e, acima de tudo, nacionalistas e patrioteiras, aproximando-se tendencialmente do núcleo essencial e objetivo dos fatos históricos.
Acreditamos que as interpretações esdrúxulas -que habitaram e ainda habitam a historiografia de inspiração liberal-aliancista- são mantidas, não devido à consistência dos fatos e dos argumentos que apresentam, mas principalmente devido ao poder das forças político-sociais que as sustentam e não raro as financiam, direta e indiretamente. Ainda mais no Brasil, onde a “Guerra do Paraguai” é praticamente uma questão de Estado e parte da legenda original sobre o destino prometeico nacional da alta oficialidade do exército.
De fato, como levar a sério, propostas apologéticas apresentadas como historiografia, como: o resultado positivo da guerra para todas as nações envolvidas; a guerra como iniciativa exclusiva de um Solano López comparado a Adolfo Hitler; um Emiliano O'Leary inventor do "lopismo positivo" para favorecer operação fundiária; a marcialidade do solado paraguaio na guerra defensiva devido ao medo do marechal; a adesão das classes populares do Brasil ao conflito; a Guerra contra o Paraguai como responsável da Abolição, em 1888, etc.
Em geral, os autores se sucedem, com maior ou menor sucesso, na defesa dessas teses e propostas excêntricas inspiradas mais comumente em narrativas apologéticas dos ideólogos alianistas do Império e da Argentina Mitrista e, secundariamente, de legionários paraguaios, conforme proposto. Procuramos, acima de tudo, apresentar os argumentos e fatos que dissolvem essas construções fantasmagóricas, sem nos preocuparmos em discutir diretamente com seus atuais defensores, sobretudo por que eles se sucedem, passando de mão em forma incessante o mesmo bordão historiográfico fajuto.
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Fomos sempre recebidos com atenção singular nos arquivos e bibliotecas da Argentina, do Uruguai e, principalmente, do Paraguai, com enorme ênfase para a Biblioteca Nacional e o Arquivo Nacional de Asunción, em que a facilitação da consulta e a simpatia e atenção dos responsáveis são singulares. No desenvolvimento da presente investigação, tivemos o privilégio de conhecer e conviver com pesquisadores, acadêmicos e interessados na história da bacia do Rio da Prata, em geral, e da Grande Guerra [1865-1870], em especial. Somos gratos a todos. Agradecemos aos colegas e amigos argentinosDiego Buffa, Maria José Bezerra, Javier Trímboli, Leon Pomer e Julia Rosemberg; aos paraguaios Alejandro Gatti, Augusto Ocampos Caballero, Bernardo Coronel, Cayetano Quattrocchi, Carlos Federico Pérez Cáceres, Fabián Chamorro, Filita Filomena Bejarano, Francisco Alcaraz Sosa, Juan Marcelo Cuenca, Marcos Maíz, Ricardo Pavetti, Roberto Paredes, Vicente Arrúa Ávalos, Viviana Paglung de Watzlawik. Agradeço também aos inúmeros companheiros brasileiros dessa aventura, na pessoa de meus alunos e ex-alunos, companheiros na investigação da guerra e da história paraguaia: Alexandre Borella Monteiro, Eduardo Nakayama, Eduardo Palermo, Fabiano Barcellos Teixeira, Mateus Couto, Orlando de Miranda Filho, Silvânia de Queiróz, Wagner Cardoso Jardim. Registro minha dívida com os historiadores militares argentinos Sergio Sánchez, Hector Prech e Diego Gonzalo Cejas, que elucidaram gentilmente aspectos técnicos dos combates de 1864-70. Um agradecimento especial à querida amiga e coordenadora do PPGH da UPF, historiadora Ana Luiza Setti Reckziegel que sempre se desdobrou para apoiar à minha iniciativa. O historiador paraguaio Jorge Coronel foi companheiro e guia na descoberta dos arquivos, bibliotecas, centros de documentação, locais de combates e, certamente, bares e restaurantes paraguaios. Como sempre, a linguista Florence Carboni, companheira de uma vida e de idéias e sonhos, leu, revisou e criticou os originais desse trabalho, como também o fez com todos os meus outros trabalhos.
Registro que todo o trabalho, nos dez anos de investigação intensiva - viagens, livros, encontros, etc. -, jamais recebeu qualquer apoio oficial dos órgãos financiadores estaduais e federais. Ao igual que praticamente toda a minha produção historiográfica nos últimos quarenta anos, publicada, em geral em livros, no Brasil, França, Itália, Bélgica, Paraguai. Sofri sempre a estranha enfermidade que atinge comumente no Brasil os historiadores marxistas de esquerda, sobretudo quando não trabalham em universidades públicas federais.
ISBN | 978-85-675-4236-2 |
Number of pages | 296 |
Edition | 1 (2020) |
Format | A4 (210x297) |
Binding | Paperback |
Colour | Black & white |
Paper type | Uncoated offset 75g |
Language | Portuguese |
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